Por que os quenianos são os líderes nas ruas?
Passando pelo site da Sport Life me deparei com uma excelente matéria sobre os corredores africanos, mais precisamente sobre os quenianos.
Li o texto e resolvi colocá-lo aqui no blog para que os amigos corredores possam entender o porquê de os africanos darem-se tão bem quando o assunto é corrida.
Quenianos: campeões das ruas
Por Marina Gomes
Por Marina Gomes
Nas últimas décadas eles dominaram o cenário de corrida. Até hoje,
apenas atletas africanos foram capazes de correr uma maratona em menos
de 2h06min, e os grandes destaques da lista de recordes são os quenianos
e etíopes.
Mas nem sempre foi assim. De certa forma, eles demoraram para descobrir o
seu potencial. Um estudo comparativo mundial mostrou que em 1986 os
quenianos representavam apenas 13% dos vencedores das corridas, contra
quase 50% de europeus. Em 2003, os europeus caíram para 11%, enquanto os
quenianos, em uma incrível virada de jogo, abocanharam 55% do montante
global.
No Brasil, nenhum queniano havia ganho a São Silvestre antes de 1992,
por exemplo, mas nos últimos 20 anos contabilizam-se 12 vencedores
daquele país contra apenas cinco brasileiros e, na Volta da Pampulha, o
placar já está em 6 a 4 para os africanos nas últimas dez edições.
Tendo isso em vista, e a fim de dar mais chance aos brasileiros, desde o
ano passado há limite de estrangeiros na categoria elite das corridas,
variando de um a três atletas por país (dependendo da classificação da
prova), segundo Martinho Santos, superintendente técnico da Confederação
Brasileira de Atletismo.
Mas afinal, por que eles são tão bons?
DNA DE CORREDOR
Leves, magros, donos de longas e incansáveis pernas, eles parecem ter
sido feitos para correr. Os melhores atletas de médias e longas
distâncias vêm de oito tribos Kalenjin e, dentre eles, destacam-se os
Nandi, cerca de 2% da população do Quênia. Estudo publicado na Jornal
Escandinavo de Medicina e Ciências do Esporte mostrou que os corredores
quenianos têm VO2 máx., índice que marca o aproveitamento do oxigênio,
muito altos e uma economia de corrida impressionante. Também acumulam
menos ácido láctico e amônia (subprodutos associados à fadiga) no sangue
durante a prova, quando comparados aos corredores escandinavos, mesmo
em intensidades de exercício muito altas.
Elevado VO2 máx., utilização fracionada durante a execução e economia
de corrida são fatores cruciais para o sucesso do corredor. Mas ao que
tudo indica, a chave da superioridade do Quênia em médias e longas
distâncias é uma combinação única desses fatores, como aponta um estudo
do Centro de Pesquisas do Músculo de Copenhague. A prova de que a
combinação certa é que faz a diferença foi uma pesquisa com um grupo de
atletas africanos com VO2 máx. significativamente menor (61ml/min/kg) do
que um grupo de europeus (70 ml/min/kg). Ainda assim, eles foram
capazes de atingir o mesmo desempenho em 10k que o outro grupo, devido à
economia de corrida e à capacidade de sustentar por mais tempo uma
maior porcentagem do VO2 máx. Outro fator estudado foi a composição
muscular desses atletas. Um estudo que saiu no Journal of Applied
Physiology em 2007 com 13 Xhosas e 13 europeus mostrou que os corredores
de 10k africanos, mesmo sendo fundistas, tinham mais fibras do tipo IIA
(relacionadas à força e à velocidade) e menos fibras do tipo I,
associadas à resistência, do que os brancos.
NAS MONTANHAS
Muitos estudos mostram que a herança genética, sozinha, não faz um
campeão. A maior parte leva também em consideração o meio. E, nesse
item, destaca-se o fator altitude, pois a maioria daqueles corredores
nasce e treina acima de 2 000 m, na região de Rift Valley. “Com isso, o
corpo acostuma-se a trabalhar com menos oxigênio e promove adaptações
gerais que melhoram a economia de corrida, como o aumento de hemácias no
sangue, por exemplo. São as hemácias, as células vermelhas do sangue,
as responsáveis por transportar o oxigênio pelo corpo. Os brasileiros,
por exemplo, utilizam o treinamento em altitude para melhorar o sistema
aeróbio, passando temporadas na Colômbia (Paipa está a 2 700 m de
altitude)”, explica Evandro Lázari, treinador de atletismo da equipe
BM&F Bovespa e mestrando em Biodinâmica do Movimento Humano pela
Unicamp.
Além disso, os quenianos correm em trilhas de terra batida e montanhas, o
que requer mais força com menor risco de lesões. Em geral, eles também
são muito ativos desde a infância. Como moram em regiões rurais,
precisam caminhar e correr longas distâncias. Estudo mostrou que as
crianças quenianas que moravam longe da escola e iam a pé tinham um VO2
máx. 30% maior em relação às que não faziam esse esforço.
Outro fator estudado é a dieta. Os quenianos preferem alimentos simples e
nutritivos, ricos em carboidratos e com pouquíssima gordura, com
destaque para o ugali, uma espécie de polenta feita de milho, que comem
muitas vezes ao dia. No prato, legumes, verduras, pouca carne e muito
chá. Pequenas porções de frango ou carne assada e muito leite fornecem
as proteínas necessárias.
MORRO ACIMA
Sabe os treinos mais difíceis da sua planilha, quando você respira fundo
e sabe que o dia será complicado? Pois é, são os preferidos dos
quenianos. Basicamente eles treinam muito duro e quase sempre em subidas
e em trilhas, o que aumenta o ganho de força e a qualidade do treino.
Moacir Marconi, conhecido como Coquinho, treina quenianos há mais de 15
anos no Paraná. Para ele, o grande diferencial, além da genética, é um
bom treinamento. “Muito fartlek, e duas vezes na semana, um longo com
variação de terreno. Também fazemos muitas subidas para aprender a não
se intimidar e deixar o ritmo cair. Em geral, eles treinam até menos que
os brasileiros, sabem a importância do descanso, da recuperação”, conta
o ex-atleta.
De fato, Catherine Ndereba, bicampeã mundial e tetracampeã da Maratona
de Boston, certa vez afirmou que costuma correr entre 120k e 145k por
semana, bem menos que os 180k costumeiramente feitos pelos outros
atletas. Mas, apesar de a quilometragem ser menor, o trabalho é intenso.
Chegam a correr três vezes ao dia, com muitos treinos em ritmo de prova
(os chamados tempo-run), e de limiar, cruciais para condicionar o corpo
a manter a alta velocidade por maiores distâncias.
Em geral, a semana é preenchida com duas sessões de repetições curtas em
subidas, uma de intervalados, uma de fartlek ou tempo-run e dois
longões.
PARA GANHAR
Nascidos em um país pobre e devastado, a corrida é a única chance de
sairem da miséria e ajudarem seus familiares. Para isso, eles deixam
tudo e seguem mundo afora em busca de oportunidades de prêmio. Não
importa se a corrida é fácil, difícil, com muito frio ou só com subidas.
Extremamente focados, chegam, correm e partem.
O ex-maratonista olímpico Luiz Antônio dos Santos trabalha há três anos
com quenianos em Taubaté (SP) e é um dos que acredita mais no potencial
psicológico. “É óbvio que a genética ajuda muito, aliada ao fato de
nascerem em região montanhosa. Isso pode favorecer, mas o grande
diferencial é a dedicação, é o acreditar no que estão fazendo. Eles
sabem que aquilo é o seu meio de sobrevivência, por isso são muito
simples, humildes e batalhadores. Quando os brasileiros treinam com eles
nesse intercâmbio que promovo, noto um aumento de concentração e
dedicação, quando começam a acreditar que podem correr como um africano
também”, diz.
De fato, quem já conversou com um corredor queniano, sabe. Humildes,
resignados, tímidos e quietos. É notável como deixaram tudo para trás em
busca de uma vida menos miserável e fizeram mais sacrifícios do que
quase qualquer outro corredor.
Karina Bernardino
05/01/2011
Fonte: sportlife.terra.com.br
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