Pé no Chão
A corrida com os pés descalços invadiu o mercado. Mas ela é para todos? É boa para você? Confira a verdade nua e crua
Por Patricia Julianelli e Sam Murphy | Fotos Renato Pizzutto
O livro Nascido para Correr, de Christopher McDougall, despertou a curiosidade de milhares de corredores em 2009. Como podiam índios mexicanos correr ultramaratonas apenas com sandálias de borracha e ter menos lesões que atletas a bordo de calçados ultratecnológicos? Solados com excesso de amortecimento impedem que o corredor sinta as mudanças sutis do impacto e se adapte a elas, afirmaram os defensores dessa corrida rente ao chão. Teoria que ganhou força com Daniel Lieberman, professor de biologia evolutiva humana na Universidade de Harvard (EUA). Em testes com corredores no Quênia, em 2009, ele se convenceu de que a corrida com pés descalços estimulava a aterrissagem com o antepé, o que, por sua vez, reduzia o impacto, em relação à aterrissagem com o calcanhar (feita com tênis).
Era o início de uma revolução ainda em curso. Hoje vemos corredores de todo o mundo trocando seus tênis com amortecimento e/ou estabilidade por calçados minimalistas, simulando algo bem próximo a uma corrida com os pés descalços. Os fabricantes que vendiam — e continuam vendendo — tênis mais estruturados entraram com força nesse mercado. Na esteira dos lançamentos, surgiram os questionamentos. A corrida com os pés descalços — ou algo muito parecido — é para todos? Como devo adaptar meus treinos a essa modalidade? Vale treinar descalço na academia? E a postura e a pisada, mudam com os pés descalços ou nós devemos alterar a postura, independentemente do que vestimos nos pés? Nós fomos atrás dessas respostas para você saber muito bem por onde pisa.
A poeira baixou
Em 2010, um estudo de Daniel Lieberman colocou mais lenha nessa fogueira e incendiou o mercado de tênis para corrida. Nele, o professor afirmava que os calçados com solas altas e repletas de amortecimento eram os culpados pela aterrissagem nos calcanhares e por músculos dos pés enfraquecidos. Já aqueles acostumados a correr descalços, como os quenianos, aterrissariam de forma mais suave – com menor impacto inicial e maior flexibilidade.
O estudo teve repercussão mundial e alavancou as vendas de um velho conhecido dos velejadores: o Vibram FiveFingers, lançado em 2006, conquistava as pistas de corrida calçando (literalmente) como uma luva os pés de atletas. Segundo os entusiastas da corrida quase descalça, com a aterrissagem com o antepé, o pé fica menos tempo no solo, gira menos para encontrar equilíbrio, o que evitaria o excesso de rotação e as lesões relacionadas a esse excesso. Veteranos e iniciantes na corrida começaram a dispensar o tênis e uma luz vermelha se acendeu na cabeça de boa parte da classe médica. Muita calma nessa hora, clamavam. "O impacto na corrida descalça pode ser menor, mas a rigidez no tornozelo aumenta para promover estabilidade na articulação", afirma o fisioterapeuta Felipe Machado, mestre em ciências pela Unifesp. "O que o estudo de Lieberman mostrou foi que a corrida descalça trazia menos impacto, mas nem todas as lesões na corrida são causadas pelo impacto excessivo. Quando aterrissamos no antepé, reduzimos a carga em algumas estruturas e aumentamos em outras. Assim, poderia diminuir a incidência de lesões como fratura por estresse na tíbia, mas aumentar a de fratura por estresse nos metatarsos do pé ou de tendinite calcânea [do tendão de Aquiles]", afirma Reginaldo Fukuchi, fisioterapeuta esportivo pela Unifesp, mestre em biomecânica pela USP e doutorando em cinesiologia (estudo do movimento) pela Universidade de Calgary, no Canadá.
Em 2012, o departamento de fisiologia da Universidade do Colorado publicou um estudo que aponta para outra direção: correr descalço pode não ser nem melhor nem pior em termos de prevenção de lesão ou melhora da performance, mas sim apenas diferente. O estudo comparou a performance de corredores experientes em barefoot running (corrida descalça) e em corrida com tênis leves, ambos na esteira. "E apontou que correr descalço não oferece nenhuma economia de energia comparada com calçados leves e com amortecimento. Em 1984, o então diretor do Laboratório de Biomecânica da Nike publicou um estudo em que afirmava que o gasto energético aumenta em 1% a cada 100 gramas a mais no calçado. Foi a partir daí que começaram a especular que correr descalço poderia ser mais econômico", afirma Fukuchi. "De lá para cá surgiram alguns estudos comparando as duas situações. No meu ponto de vista, esse estudo da Universidade do Colorado é o mais sério. A explicação de por que o calçado não aumenta o gasto de energia, mesmo contendo 150 gramas a mais, está justamente no amortecimento: ele faz com que a gente não precise ativar os músculos para absorver o impacto."
"As pessoas precisam desconfiar do que vem sendo divulgado por fabricantes de tênis que permitem imitar a corrida com pés descalços. Há muitas opiniões e poucos fatos concretos sobre a maioria das questões relativas à corrida, e correr com os pés descalços não é exceção à regra. É preciso fazer mais pesquisas", afirma Daniel Lieberman, agora em uma versão bem mais pé no chão.
Barefoot x Minimalistas
Enquanto a classe médica segue estudando os efeitos da corrida mais "próxima do chão", a indústria de calçados se reinventa e tenta descobrir inclusive o conceito do termo "minimalismo". É clara e visível a diferença entre os modelos da categoria barefoot running — como o italiano Vibram FiveFingers (VFF) — e os chamados minimalistas. Os primeiros vestem os pés como luvas (calçam cada dedo), não têm amortecimento algum (sem entressola),são muito flexíveis e leves (o VFF pesa 160 gramas e a sola tem 0,72 cm) e possuem o que os fabricantes chamam de drop zero: rebaixamento total. Ou seja: a diferença de altura entre o calcanhar e o antepé é zero. São chatinhos, rentes ao chão.
Já os minimalistas possuem entressola e oferecem algum amortecimento. Também são muito leves (o Nike Free pesa 204 gramas, o Saucony Nirvana, 219) e mais flexíveis que os modelos convencionais. Nos minimalistas, de acordo com executivos do mercado, a diferença de altura entre o calcanhar e o antepé é sempre de poucos milímetros, geralmente não passa de 6 mm. Nos calçados tradicionais, essa diferença costuma ficar entre 10 e 14 mm: seu calcanhar é de fato levantado.
O que vem gerando confusão entre fabricantes (e, mais ainda, entre os consumidores) é que esses calçados que já nasceram como minimalistas são muito parecidos com os tênis de competição, leves, rápidos; mas que não são novidade. "Um calçado sem entressola, muito leve e com perfil superbaixo é um minimalista? Se sim, então qual é a diferença desse produto para os calçados tradicionais que os maratonistas profissionais vêm utilizando há anos — os chamados 'calçados descartáveis', tão leves que após uma maratona são jogados fora?", afirma Leandro Moraes, gerente de calçados da Asics Brasil. Internamente, a empresa não emprega o termo minimalismo, mas lançou entre meados de 2011 e o início de 2012 três modelos da "33 Collection": Gel-Blur, Gel-Sting e Rush33. "Todos bem leves, com menos costura, perfil mais baixo na entressola e a sola recortada em camadas para facilitar a flexibilidade", diz Leandro. "No segundo semestre, traremos um modelo com sola ainda mais baixa e recortada. A título de comparação, seria o concorrente do Free."
O Nike Free detonou a onda do minimalismo no Brasil: foi o precursor entre os calçados com perfil mais baixo e sola toda recortada. "Ele foi lançado em 2004 mundialmente e no Brasil em 2005. A ideia é simples: oferecer ao corredor os benefícios da corrida descalça com proteção e leveza", afirma Nortpool Furnali, gerente de marketing para running da Nike Brasil. Hoje, temos três modelos do Free no mercado nacional: o 3.0 (diferença de 3 mm de altura entre calcanhar e antepé), sem língua, o 4.0, com meia língua, e o Run+, que é 5.0 e tem língua. Com isso, o atleta escolhe qual nível de flexibilidade e amortecimento deseja.
A Mizuno promete para agosto seu primeiro calçado minimalista: o Be. "Só podemos adiantar que a diferença de altura do tênis entre calcanhar e antepé é de 6 mm", afirma Rogério Barenco, gerente da Mizuno no Brasil. Em abril de 2012, a Reebok lançou no Brasil o RealFlex, que, assim como o Nike Free, traz a sola recortada. "É leve e flexível para proporcionar a sensação de correr descalço", afirma Renata Barcellos, coordenadora de marketing da marca.
O boom dos levinhos
Vemos hoje na indústria nacional uma espécie de racha. De um lado, usuários e fabricantes de calçados (luvas ou sapatilhas) que interfiram o mínimo possível em uma corrida classificada por eles como natural: a descalça. Querem se diferenciar e defender seu território contra o exército de tênis leves que pipocam nas prateleiras. "Estamos na categoria barefoot: se sentir descalço, mas com os pés protegidos", afirma Débora Schaffer, gerente de marketing da Vibram. "Correr descalço, só que melhor" é a definição de Jullian Salgueiro, gerente da New Balance, para a proposta do Minimus. Lançado em 2011, tem zero de rebaixamento e é similar a uma sapatilha.
De outro lado, posiciona-se o bloco dos minimalistas e de todos os tênis leves, flexíveis e rentes ao chão. São empresas que já investiram muita verba e tecnologia em calçados e até por isso fazem questão de anunciar: reduzimos os materiais, mas não a qualidade. Aqui, você está protegido. A Mizuno nem adota o termo minimalismo. "Buscamos a corrida ideal e não apenas um tênis leve, flexível e sem tecnologia. Nossa categoria é a 'epicurian', palavra que remete à busca pela harmonia da corrida", afirma Barenco. Para o executivo da Asics Leandro Moraes, o movimento minimalista ainda está cercado de muitas lendas e inverdades: "Produtos que mal parecem um calçado são comercializados com base em promessas e resultados que podem prejudicar e lesionar o consumidor. O que a mídia denomina de ‘minimalista’ são produtos altamente simples, sem tecnologia ou sistema de estabilidade, e nem todo o corredor poderá se adaptar a isso". Em abril de 2012, a Adidas lançou um calçado muito similar ao FiveFingers, o adiPure Trainer, mas ressalta que é um modelo para academia, com foco no fortalecimento da musculatura dos pés e melhora da propriocepção. De acordo com a assessoria da empresa, "os calçados minimalistas para corrida não são assunto prioritário para a marca, são produtos voltados para um público muito específico".
A cautela é compreensível. Nos Estados Unidos, consumidores insatisfeitos com o FiveFingers já se unem em ações coletivas contra a marca. Argumentam que os benefícios alegados são enganosos, os riscos de lesões são maiores com o VFF e que não há estudos que sustentem as promessas do produto. A Running Injury Clinic, na Universidade de Calgary, no Canadá, é um centro de referência no estudo das relações entre biomecânica e lesões. "Entre 5% e 10% dos nossos pacientes nos procuram porque sentiram dor ao alterar a mecânica de corrida, seja ao começar a treinar descalços, seja com tênis minimalistas", afirma Reed Ferber, diretor da clínica. No Brasil, ortopedistas e fisioterapeutas também começam a se familiarizar com a questão. "Torço para que essa onda pegue de vez, não vai faltar trabalho", afirma ironicamente um renomado ortopedista.
"Ainda não sabemos se o segmento vai estourar, se haverá recompra desses produtos. Vários corredores estão encontrando dificuldades para encaixar a corrida minimalista dentro da rotina, sem falar daqueles que sofreram lesões pelo uso incorreto", afirma Rogério Barenco. A venda dos minimalistas ainda é ínfima perto da dos calçados tradicionais, incluindo os de performance. Mas é inegável que o movimento do minimalismo por si só já gerou um aumento nas vendas de calçados leves e menos estruturados. “No ano passado, um modelo tradicional da Asics chamado Gel-DS Racer teve um aumento de vendas de 25% devido à onda minimalista, sendo que para a mídia ele é apenas um produto leve para maratonistas”, diz Leandro Moraes. A Nike vem investindo pesado na linha Lunar (com cinco modelos para corrida), que traz leveza, mas também certa estabilidade. É o mercado apostando cada vez mais em tênis leves e menos estruturados. E esses “baixinhos” são, para boa parte dos corredores, uma opção para os treinos de velocidade e provas rápidas. "O corredor geralmente tem no armário um modelo tradicional e com amortecimento para treinos de 'giro' e um muito leve para provas ou treinos de velocidade", diz Leandro. Eles também são uma opção para quem já quer sentir que mergulha os dedinhos na onda minimalista e para fazer uma adaptação dos calçados com amortecimento e/ou estabilidade para as luvas para os pés.
Estamos a pé
"O setor de tênis de corrida é culpado por ter exagerado na quantidade de alegações ilimitadas sobre o que um tênis pode fazer por você, sem ter como comprovar tais afirmações a partir de evidências concretas", diz Nick Pearson, gerente da Sweatshop, maior rede de calçados esportivos do Reino Unido. Problema que, segundo Pearson, acontece com os tênis tradicionais e agora com os minimalistas que prometem a sensação de correr descalço. "Hoje, a maioria dos fabricantes de tênis produz calçados minimalistas, mas não diz às pessoas como correr com esse tipo de calçado", diz o escritor Christopher McDougall. A Vibram, fabricante do maior expoente da corrida dos pés descalços (e que não traz amortecimento algum), relega a responsabilidade da transição gradual — e, por tabela, de eventuais lesões — à curiosidade de seus consumidores. "Recebemos poucas reclamações, pois a galera sabe da adaptação necessária para corrida. Acho que quem compra vai atrás de informações para usar", afirma Débora Schaffer. "Com o FiveFingers, muda-se a passada, mas essas instruções estão em nossas redes sociais." De fato, há uma (e apenas uma) orientação prática por lá: "Não corra mais de 10% da distância que costuma correr nas 2-3 primeiras semanas. Depois, aumente de 10% a 20% em intervalos de duas semanas". O calçado ainda traz uma etiqueta, que mais confunde que esclarece: "Deve ser usado em intervalos de 1-2 horas nas primeiras semanas". A empresa assegura que todos os vendedores passam por um treinamento, mas o produto hoje está à venda em 41 pontos, inclusive em gigantes de venda online como a Netshoes. Sim, venda pela internet.
Muitos corredores ainda permanecem a pé quando a questão é informação. E há uma diferença crucial entre modelos como o FiveFingers, que não tem nenhum amortecimento ou elevação no calcanhar, e o Saucony Kinvara, por exemplo, que está apenas entrando no minimalismo. Começar a correr com um e com outro é totalmente diferente. Assim como passar de um tênis superestruturado e ir direto para um ou para outro. Segundo Spencer White, diretor do Laboratório de Inovação e Desempenho Humano da Saucony, o modelo Kinvara foi desenhado para permitir a aterrissagem no calcanhar, se necessário. "Durante o processo de alteração da marcha ainda aterrissamos no calcanhar, ocasionalmente. Por exemplo, quando estamos ficando cansados", explica White.
Democrática, pero no mucho
A corrida descalço (ou com as luvas para os pés) não é para todo mundo, mas sim para quem já passou por um processo adaptativo para tal. Antes de aposentar de vez os tênis, faça a si mesmo a seguinte pergunta: "Estou pronto?" O ortopedista Rogerio Teixeira da Silva, especialista em medicina esportiva pela Unifesp, só recomenda a prática a atletas com força e equilíbrio muscular. "O problema desses modismos é que as pessoas se espelham em atletas que se deram bem e saem correndo descalças. Só que não sabem que todos que se dão bem têm a musculatura muito bem desenvolvida”, afirma. "Quer se aventurar? Então invista em fortalecimento, ganhe base e faça uma adaptação progressiva com a orientação de um especialista, como um bom treinador de corrida."
Quando corremos descalços, o amortecimento é feito pelos músculos e tendões e gastamos mais energia. Em corridas longas, isso pode significar uma fadiga mais rápida e até uma lesão. "Para reduzir a chance de se arrepender no futuro, os corredores deveriam ser avaliados com mais cuidado para considerar todos os fatores que podem levar a uma lesão. Por exemplo, eu não recomendo a corrida descalça para um atleta com assimetria [diferença dos dois lados] de força nas panturrilhas", afirma o fisioterapeuta Fukuchi.
Essa avaliação por um especialista também é importante para quem está acima do peso, possui doenças da cartilagem, artrose ou artrite, desvios angulares importantes de tornozelo, tendinite calcânea e histórico de fraturas por estresse em metatarsos e calcâneos. Para o treinador de corrida Daniel Neves, da assessoria Run & Fun, de São Paulo, o FiveFingers e seus similares seriam mais interessantes para caminhadas que para corridas, justamente para fortalecer músculos dos pés fracos e tendões frágeis. "Comprar um minimalista e sair correndo com ele é um perigo!".
As lesões mais associadas ao uso do Five- Fingers vão de cortes, bolhas e queimaduras até fascite plantar e fratura por estresse no metatarso e na borda inferior do calcâneo. No caso do engenheiro mineiro Tiago Webber, de 30 anos, não foi falta de informação a causa do problema, mas excesso de empolgação. "Não fui disciplinado. Ao correr com o FiveFingers na esteira, eu me senti leve, rápido. Em pouco tempo, fiz um treino de 10 km", conta. Resultado: fratura por estresse no metatarso. Mas ele não desistiu da modalidade e pretende retomar os treinos, mesmo sem incentivo dos médicos. "Consultei três ortopedistas. Todos fizeram a mesma pergunta, indignados: 'Mas por que você está fazendo isso?'"
Um passo de cada vez
Os adeptos da corrida com os pés descalços a definem como corrida natural. A Vibram afirma que o FiveFingers requer uma "adaptação para que a pessoa volte a correr utilizando da forma correta os músculos e as articulações que temos e volte a ter a pisada natural". Só que não há nada de natural em correr descalço. Nós nascemos e já ganhamos dos pais uma réplica em miniatura de um calçado esportivo. Aprendemos a andar de tênis. Tanto isso é verdade que, hoje, cerca de 75% dos corredores aterrissam com o calcanhar, 24% com o mediopé e apenas 1% com o antepé. Correr com o antepé pode ser natural — para os quenianos.
A maioria que nunca correu descalço e faz pouca coisa no dia a dia sem nada nos pés tende a ter os músculos do pé e da perna (principalmente a panturrilha) fracos. Fazer um trabalho prévio de fortalecimento pode ser a chave para evitar lesões futuras com os minimalistas. “Na corrida descalça, com o antepé, o tempo de contato com o solo é menor e há menos absorção do impacto — que tem que ser transformado em energia para que o músculo consiga gerar movimento. Nesse processo, se o músculo não estiver muito bem preparado, a probabilidade de ocorrer lesão, como a ruptura de um tecido muscular, é infinitamente maior que em uma corrida de padrão normal”, diz Felipe Machado.
Além desse fortalecimento, uma regra deveria ser respeitada: não exceder 10% do habitual volume semanal de treino no começo. Por exemplo, se você corre 10 km, na primeira semana você não deveria correr mais que 1 km descalço ou com tênis minimalista). Nessa semana e nas seguintes (a evolução deve ser progressiva), faça os demais treinos com o tênis convencional.
Uma nova postura
Na verdade, "a corrida com pés descalços é melhor?" talvez seja uma das perguntas a serem feitas. Tão ou mais importante que o que vestimos nos pés é a postura que adotamos na corrida. E o que os defensores dos tênis mais leves (minimalistas ou não) argumentam é que os calçados mais estruturados, com entressolas reforçadas, impediriam um contato maior entre os pés e o solo e nós teríamos mais dificuldade para perceber como estamos correndo.
Mas o que seria uma boa postura e como dominá-la? "As sobrecargas são resultado de incorreções posturais, principalmente nas regiões de abdome, costas e quadris. Não adianta mudar a fase de apoio da marcha, tirando o tênis e trabalhando a musculatura dos pés, se os músculos posturais envolvidos na corrida não forem trabalhados. As áreas de sobrecarga ainda seriam importantes e, pela falta de absorção de impacto, aumentaria a chance de lesões", afirma o médico do esporte Gustavo Magliocca, da clínica esportiva Run & Care, de São Paulo. Pesquisas do laboratório de Harvard indicam que a técnica de pés descalços "mal executada" gera maiores cargas, que poderiam provocar tantos danos quanto a aterrissagem nos calcanhares com tênis.
A boa postura exige três elementos que se inter-relacionam. "A postura ereta, com cabeça, quadril e pés alinhados, combinada à cadência [número de passos que se dá por minuto] correta, de 170-185 passos por minuto, evita passadas de amplitude exagerada e possibilita a aterrissagem com os pés alinhados ao corpo [no mesmo eixo], e não projetados à frente", explica Lee. "Depois, é preciso relaxar enquanto se mantém essa postura. A tensão pode sabotar o ritmo".
Se você busca aprimorar sua corrida com segurança, esteja disposto a dar dois passos: informar-se (sobre as diferenças entre correr descalço, com o FiveFingers, com tênis minimalistas e com os tradicionais) e adaptar-se gradualmente à nova modalidade. "Vou parafrasear o próprio Lieberman, que diz: 'O jeito como alguém corre é provavelmente mais importante do que o que está ou não nos nossos pés, mas o que está nos pés pode afetar nosso padrão de movimento'. Tente acompanhar quais mudanças a troca de pisada irá causar na postura do seu corpo durante a corrida, pois elas podem interferir no desenvolvimento de lesões", afirma Fukuchi. Se possível, peça a um profissional (ortopedista ou fisioterapeuta) que avalie sua postura como um todo durante o treino. "E também a resistência dos seus tecidos ao estresse. Ossos, ligamentos, tendões e cartilagem diferem entre os corredores e essas diferenças podem ser mais importantes para determinar o risco de lesão do que o padrão com que a pessoa corre ou quanto ela corre, por exemplo", diz Reginaldo. A resposta para ficar livre de lesões nem sempre está dentro de uma caixa de sapatos.
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